Maria na revista Rolling Stone

11/06/2010 13:44

Como se precisasse de proteção, Maria Gadú chega ao restaurante no qual deveríamos nos encontrar, acompanhada de sua produtora/assessora e da representante da assessoria de imprensa que lhe dá suporte. Houve uma mudança de planos: em vez do cardápio leve do discreto estabelecimento na avenida Visconde de Pirajá, em Ipanema, a cantora sugeriu uma massa com atum cru, especialidade de um restaurante próximo. Enquanto caminhamos pelas ruas do Rio de Janeiro, Maria me dá um aviso aparentemente involuntário sobre uma surpresa desagradável ocorrida após uma entrevista recente. Uma repórter, com quem havia "passado meia hora, falando sobre um monte de coisa legal", escreveu erroneamente que a cantora referia-se a si mesma no masculino. "Estudar tanto tempo pra mentir desse jeito? É muita falta de respeito", ela reclama.

 

Maria Gadú aos 17 anos ao lado do tio Bernard Aygadoux

O assédio crescente e a vida corrida de alguém que emplacou, em menos de um ano, quatro músicas em produções da TV de maior audiência do país parecem não se encaixar totalmente no dia a dia de Maria Gadú. Ainda que a falta de costume com a fama não lhe deixe completamente à vontade, a jovem cantora de 23 anos trata a todos que a abordam com atenção - como quando três homens, empolgados por algumas doses de uísque, a elogiam por longos 15 minutos no restaurante. Entrevistas, outra parte inerente à rotina de quem atualmente roda o Brasil para shows sempre lotados, ainda parecem ser um desconforto. Enquanto Maria dá respostas quase que ensaiadas em programas televisivos e coletivas, em nosso bate-papo o mecanismo de resguardo seria outro, sem vir diretamente dela: com a indicação da garçonete, suas acompanhantes sentam- se a nosso lado, mesmo que antes tivesse sido sinaliza- do que durante a entrevista deveríamos ser apenas eu e Maria. Quando peço para que nós duas mudemos de mesa, enquanto a cantora atende o celular, as assessoras se entreolham, mas não criam objeções.

 

A verdade é que Maria Gadú não precisa ser protegida. Apesar de tímida - nos minutos iniciais da conversa, ela desvia o olhar par a seu copo de chope, para a mesa ou para qualquer outra direção que não a de meus olhos -, Maria se mostra sempre firme em suas declarações. E a liberdade com que lida com a vida, num exercício contínuo de desapego (palavra que repe- te diversas vezes), faz com que ela não se importe com os pormenores de sua existência - uma entre vista, por exemplo -, nem com ligações afetivas "exclusivas". É por isso que, de início, é tão difícil entender o universo familiar que a cerca, já que ela chama alguns homens diferentes de "pai" , tem cinco irmãos (sem nenhum deles ter compartilhado o ventre de sua mãe, Neusa Maria) e incontáveis amigos verdadeiros, daqueles que a maioria de nós conta nos dedos. "É uma história muito confusa, velho", ela tenta explicar. "Sou exclusiva da minha mãe, mas tenho quatro irmãos de criação e um meio-irmão por par te do meu pai biológico. Dois são da minha madrinha, e dois são do meu pai, o Marc." Marc Aygadoux é um desses pais que Maria escolheu a dedo. Mais tarde, quando lhe pergunto seu nome completo, ela responde: "Mayra Aygadoux", soletrando o sobrenome de origem francesa.
 

 


Maria (ela não gosta de Mayra, nome escolhido por Moacir, seu pai de sangue) não me diz, mas, em seu registro, carrega o sobrenome Corrêa, da família paterna. Apesar de pouco presente até os 15 anos de idade da cantora, Moacir não é motivo de rancor. "Minha mãe não me ensinou essas coisas. As pessoas têm escolhas. Gosto muito dele, é uma pessoa inteligente, incrível. Me pôs aqui no mundo, vou ficar com raiva dele por quê? Ficar cultivando mágoa faz mal pra gente", diz, sem demonstrar que seu discurso advém de uma suposta necessidade de ser politicamente correta.
 

 

Maria Gadú aos 15 anos com a Mãe, Neusa
 

Desde os 10 anos, Maria deixou de lado o Corrêa. O Aygadoux, que mais tarde daria origem ao Gadú, ela adotou depois de conhecer Marc. Nascido em Toulou- se, na França, o músico teve contato com Maria ainda criança, quando produziu um projeto musical do qual ela fez parte, na Igreja Messiânica (a qual hoje ela não frequenta mais). Sem dizer para ninguém, Maria passou a assinar as provas da escola com o sobrenome emprestado (diga-se: Marc nunca teve nenhum tipo de relacionamento amoroso com a mãe da cantora). "A Neusa me telefonou dizendo: 'Olha, Marc, estou com um problema sério'. A Mayra estava assinando as provas com meu sobrenome havia um ano e meio", relembra Marc. "Fiquei em prantos. Fui buscá-la na escola e perguntei se podia chamá-la de filha. Ela respondeu, menininha, com 10 ou 11 anos: 'É tudo que eu mais quero, pai' ." Para quem ouve essa narrativa, a história é no mínimo surpreendente:
quantas pessoas selecionam o pai de acordo com a preferência, sem nem mesmo comunicá- lo? Chega a ser um exercício de lógica tentar entender a estrutura familiar de Maria. Ela explica tudo de forma displicente, como se, sim, fosse realmente natural optar por um sobrenome ainda criança e ser adotada por escolha própria.

 Fonte

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