
Gadú dá entrevista ao Jornal O Globo
12/12/2009 18:10
Em dezembro de 2008, Maria Gadú era uma desconhecida aposta do selo SLAP, da Som Livre, que preparava seu CD de estreia, um talento descoberto por Jayme Monjardim, convidada para participar de sua série "Maysa", na TV Globo - enfim, uma incógnita. De lá para cá, emplacou seis músicas nas rádios (três entre as mais tocadas), foi requisitada para trilhas sonoras (a abertura da série "Cinquentinha", além das novelas "Viver a vida" e "Cama de gato"), colheu elogios rasgados da crítica e de artistas como Milton Nascimento e João Donato, vendeu mais de 30 mil discos, abriu show (bem) para a inglesa Joss Stone e é apontada como a grande revelação da música popular brasileira em 2009 (entre outros, pela Associação Paulista de Críticos de Arte). Para a cantora paulistana de 23 anos, porém, pouco mudou nesses 12 meses.
- Nunca pensei nessa exposição grandiosa - diz a cantora, camiseta de Mulher Maravilha, chapéu de malandro, em frente ao mar do Arpoador. - Na verdade, não gosto de criar expectativas. Criar expectativas é se boicotar, é dar chance para se deprimir. Não espero nada, então só recebo boa notícia. Se não rolar, tudo bem. Se rolar, ótimo.
Em 2009, sabe-se, rolou. Da ponta em "Maysa" - ela aparecia cantando numa boate - à consagração, Gadú vê seu caminho como natural. Mais: ela não gosta de carregar sozinha o reconhecimento como revelação do ano:
- Isso não cabe só a mim. Entro como representante de uma geração que está chegando com novos conceitos: Céu, Ana Cañas, Tiê, Mariana Aydar, Jay Vaquer, Monique Kessous... Uma geração que se articula sem formar um movimento. Nada é muito pensado, falamos do que gostamos - avalia Gadú, que compara as cantoras de sua geração com as que as antecederam. - Bethânia, Gal eram muito marcadas pela escrita masculina, mais violenta, revoltada, até pelo momento de ditadura. Eram versos que, para chegar às ruas, precisavam da adocicação feminina. Agora todas nós escrevemos, cantamos nossas palavras.
O desejo de dividir suas conquistas casa com um pensamento coletivista de Gadú, formado em palcos de bares, nos quais revezava com outros artistas. Chegou a formar o grupo Os Varandistas, com colegas que tocavam com ela no bar Capim Limão, na Barra - hoje e amanhã, Gadú faz show com participação deles no Teatro Rival.
- Comecei a tocar em bar aos 13 anos. O cara que tocava depois de mim tinha 45 - lembra. - Eu ficava olhando, prestando atenção, para saber como as coisas funcionam. Prestava atenção no músico, na reação da plateia, em tudo. Aprendi ali.
Do bar para os estúdios, a cantora diz ter amadurecido, apesar de manter algo do espírito de quem toca na noite.
- No boteco, seu violão precisa ocupar todos os espaços. No estúdio não tem isso. Hoje, o menos é mais, prezo o minimalismo - diz, admitindo que a Gadú de um ano atrás não é a mesma de hoje. - Meu timbre também mudou um pouco, minha execução ao violão amadureceu, aprendi a me ouvir... Porque no boteco você não se ouve. Mas não vejo diferença alguma entre tocar no Capim Limão ou na Arena (onde abriu o show de Joss Stone, empolgando uma plateia que estava ali para assistir à inglesa). Seria até ruim eu pensar algo diferente disso, porque quem vai me ver no bar também merece ouvir o melhor que eu tenho. Também não muda a forma como canto no estúdio e no palco. Para gravar, gosto de pensar como se fosse ao vivo. Porque no estúdio tem aquela coisa, você faz um take, dois, três, quatro, cinco... No sexto, sua cabeça já está em outro lugar, já não fica legal.
Sem se deslumbrar com elogios ou sucesso, Gadú comemora sobretudo a boa fase financeira. Mas sem sonhos de consumo extravagantes:
- A maior conquista do ano foi minha mãe ter vindo morar comigo aqui no Rio e ter parado de trampar. Fica aqui, só se divertindo. Ela já trabalhou muito, agora é minha vez - diz Gadú (o nome, que não é o de batismo e carrega um acento que contraria as regras ortográficas, é criação dela).
Coerente com sua ideia de não criar expectativas, Gadú não planeja seu 2010. Sabe apenas que, no réveillon, será uma das atrações no palco armado na Praia de Copacabana:
- Tocarei na praia com o Bangalafumenga, que adoro - adianta. - Um novo disco para o ano que vem? Não sei, esse primeiro filho acabou de desmamar... Demorei 22 anos para parir, não me cobro outro agora. Talvez, se pintar um ao vivo... Mas não outro CD de estúdio, com inéditas.
De concreto, a cantora diz que pretende apenas continuar estudando seu ofício e compondo, sem pressa ("Não tenho neurose de ter ideias para compor, vou devagar e sempre", define). Sempre, esclarece, deixando os ouvidos abertos para o que vier:
- Quero compor coisas diferentes, fazer outras músicas. Hoje meu trabalho é cru, mas amanhã posso gravar algo com orquestra, por que não? Se não, você entra naquela história de dizer que Bach é melhor que Cartola. Gosto de Bach e Cartola. E Backstreet Boys, Sandy & Junior, Ivete, Alanis, Lulu, Rita, Paralamas, Pink Floyd, Korn... Como posso não gostar? São as coisas da minha época!
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