
Maria Gadú em “mais uma página” de sofisticação e musicalidade
23/02/2012 10:15Sucesso de crítica e vendas, a cantora paulista não se acomoda no lugar comum, no mais do mesmo, é o que nos prova o seu segundo disco de canções inéditas, Mais uma página, que emerge com muita personalidade e originalidade depois do lançamento de dois projetos ao vivo – Maria Gadú Multishow ao vivo e Maria Gadú e Caetano Veloso Multishow ao vivo – subsequentes ao seu primeiro trabalho em estúdio, o Maria Gadú.
Mais uma página surpreende logo do seu projeto gráfico, um encarte inovador e conceitual que demonstra todo o bom-gosto da cantora e de sua produção. O disco é composto por 15 faixas, sendo 12 inéditas – a maioria compostas pela cantora, solo ou em parceria – e três regravações – Anjo de guarda noturno, de Miltinho Edilberto, Oração ao tempo, de Caetano Veloso, e Amor de índio, de Ronaldo Bastos e Beto Guedes. Em três das faixas do disco, Maria Gadú divide os vocais com artistas convidados, são os casos de Axé Acapela, com Dani Black – que também assina, no disco, a canção Linha Tênue –, Quem?, que conta com a participação especial de Lenine, e A valsa, em que Gadú apresenta ao Brasil o cantor português Marco Rodrigues.
É nítida sua evolução vocal, e enquanto intérprete, Gadú (re)surge com mais frescor e leveza, deixando de lado os excessos, típicos das cantoras “pós Ana Carolina”, e dando lugar a uma interpretação com mais segurança e singularidade, em que podemos perceber uma Maria Gadú com mais verdade do que aquela de dois anos atrás. É gostoso ouvir o quão delicada está sua voz e o quão doce ela soa aos ouvidos, mesmo em canções mais pungentes, como Axé Acapela, Reis e Quem?, a cantora consegue manter a sedosidade de sua belíssima voz.
O disco revela surpresas para aqueles que não acompanham de perto a carreira da cantora, que é ouvi-la cantar em inglês – Like a rose, parceria de Gadú com Jesse Harris, que divide com a compositora e Maycon Ananais a composição de Long long time – e em espanhol – Extranjero, de Cassiano Correr e Maycon Ananais –, belíssimas canções que demonstram toda a versatilidade e maturidade de um cantora que sabe fazer bonito tanto em sua língua materna, quanto em outra língua.
Destaque especial deve ser dado ao “fado contemporâneo” A valsa – de autoria própria –, em que Gadú e Marco Rodrigues dão uma verdadeira aula de dramaticidade e emoção, uma canção de uma carga emocional profunda e tocante, desde o belíssimo arranjo à letra milimetricamente bem construída.
A releitura do baião Anjo de guarda noturno, de Miltinho Edilberto, é outro exemplo de como um artista pode se renovar e se demonstrar autêntico, mesmo que gravando um sucesso de outrem. A canção ganhou leveza e sofisticação, sem fugir às raízes da composição original, em uma respeitável releitura do baião tradicional. O que se repete nas regravações de Oração ao tempo e Amor de índio, em que Gadú nega o que seria sua zona de conforto nos trazendo duas interpretações muito singulares, o que é complicado, visto que as duas canções já foram muitas vezes interpretadas por grandes nomes da música popular brasileira, o que, nitidamente, não serviu de empecilho para ela imprimir identidade em suas versões.
Já Axé Acapela, de Dani Black e Luiza Maita, primeiro single do disco, traz um ar de estranhamento, possui um swing – não precisamente do Axé Music (como o título pode sugerir) –, porém com um fundo de Jazz que mais se aproxima ao R&B contemporâneo – que sofreu influências do Soul e do Funk –, muito comum na música pop, como em Rehab, de Amy Winehouse. Uma canção muito gostosa de ouvir, radiofônica – distante da acepção pejorativa do termo – e muito bem construída, acompanhada de um arranjo riquíssimo e muito coerente com a proposta dos compositores. Uma boa escolha para a primeira música de trabalho.
As belíssimas composições da cantora são o ponto alto do disco e merecem maior relevo, o que já era de se esperar da compositora de Altar Particular e Dona Cila. A faixa de abertura é a belíssima No pé do vento, feita em parceria com Edu Krieger, que assume a função de prólogo do disco, dando um rico aperitivo daquilo que vem pela frente. Outra linda canção é Estranho Natural, uma valsinha que tematiza um saudosismo ingênuo de um eu-lírico que deixou um amor perdido no passado de sua infância, uma canção sutil e singela. Taregué, terceira faixa do disco, pode até lembrar, para alguns, a conhecida Shimbalaiê, no entanto nota-se que a pretensão de Gadú não era repetir um sucesso, ou aproveitar uma forma que deu certo, pelo contrário, a letra de Taregué se distancia e muito do primeiro hit da cantora, tanto em sua profundidade quanto em sua cuidadosa construção, talvez os arranjos tragam essa lembrança, mas estes também se diferem bastante e mostram o real amadurecimento da compositora, que também podemos perceber em sua parceria com Ana Carolina e Chiara Civello, na belíssima Reis, que apesar de trazer muitas das características da musicalidade Ana, tem impressa em sua letra muito de Maria Gadú, uma letra visceral e instigante, sua interpretação está simplesmente estonteante.
Maria Gadú prova em seu quarto álbum – segundo de inéditas – que é uma artista que sabe se reciclar e trazer cada vez mais sofisticação ao seu trabalho. Depois de seu disco de estreia, a cantora/compositora tem mostrado grande potencial enquanto música, e nos tem presenteado com uma obra completa. Mais uma página se torna um divisor de águas na carreira da artista, por deslanchar em ares de disco experimental, pois além de inovar cantando muito bem em idiomas estrangeiros, a cantora nos surpreende ao experimentar em uma miscelânea de gêneros musicais que trazem ao disco muitas cores e sensações. É um disco que, para quem gosta de boa música, é um prato cheio de opções.
Maria Gadú nos trouxe mais uma página de uma história que está apenas começando a ser escrita, mas que traz em seus capítulos iniciais toda a riqueza de uma jovem compositora que consegue transmutar fortes e verdadeiros sentimentos naquilo que canta e compõe, agora é só esperar as cenas do próximo capítulo para nos surpreendermos ainda mais com a obra dessa incrível e competente artista.
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