Maria Gadú - Revista Veja

30/01/2010 18:40

 

Os cabelos eriçados, as tatuagens e o olhar desafiador da cantora Maria Gadú facilmente levariam um observador desavisado a qualificá-la como líder de uma banda de punk rock, dessas que quebram guitarras e chutam caixas de som. No entanto, é só ela soltar a voz à frente de um microfone para vir o choque. A mocinha, que exala rebeldia, é capaz de interpretar de forma absolutamente pungente o clássico Ne Me Quitte Pas, do belga Jacques Brel. Da mesma forma, é tocante a singeleza com que canta Shimbalaiê, uma composição própria que se tornou sucesso da trilha sonora da novela Viver a Vida. São surpresas como essas que fazem da jovem paulistana de 23 anos, já adotada pelos cariocas, uma das novas boas revelações da música brasileira. De tão requisitada, dá a impressão de ser onipresente. Tome-se como exemplo sua agenda de janeiro. No intervalo de poucos dias, ela participou da gravação ao vivo de um DVD do cantor sueco Eagle-Eye Cherry, apresentou-se na São Paulo Fashion Week, fez dois shows no Rio de Janeiro, onde decidiu morar há dois anos, esteve no Sul do país e viajou para algumas cidades do interior paulista. "Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer", diz ela. "Mas, já que aconteceu, o negócio é aproveitar."


É o que ela tem feito. O sucesso de Shimbalaiê e a bem- sucedida carreira nos palcos são apenas parte de suas conquistas. Além do folhetim das 9, sua voz pode ser ouvida na novela Cama de Gato – na música Linda Rosa, tema dos personagens de Paula Burlamaqui e Ângelo Antonio. Em dezembro, a minissérie Cinquentinha, de Aguinaldo Silva, havia trazido uma versão de A História de Lily Braun, de Chico Buarque e Edu Lobo, interpretada por ela. Tamanha projeção teve impacto direto em seu primeiro CD, lançado pelo selo Slap, da Som Livre. Em apenas cinco meses, foram vendidas mais de 60 000 cópias, um número notável para uma estreante, especialmente levando-se em consideração a realidade atual dessa indústria. "Nem o Barão Vermelho foi tão bem em seu CD de estreia", diz Leonardo Ganem, presidente do braço fonográfico das Organizações Globo. Com tal performance, ela ocupa hoje na gravadora uma posição privilegiada e é uma das raríssimas estrelas a ter um contrato de quatro anos. Como se não bastasse, desfruta uma autonomia criativa que muitos cantores consagrados não têm. Por isso, em seu primeiro CD há várias composições próprias e regravações, como Baba Baby, de Kelly Key. Além disso, seu contrato prevê participação nas vendas, que, estima-se, seriam da ordem de 15%.
O suporte de um selo musical é um trunfo e tanto para garantir um início de carreira promissor. No caso da Som Livre, essa vantagem se torna maior diante da gigantesca capacidade de sinergia com outras unidades do grupo, como a TV Globo e a Globo Filmes. Atribuir o sucesso da cantora apenas ao tamanho dessa estrutura, porém, é um equívoco – principalmente em um momento em que até mesmo os maiores colossos da indústria fonográfica enfrentam sérias dificuldades para lançar novos artistas. Desde que Maria Gadú começou a realizar as primeiras apresentações no Rio, no ano passado, no bar Cinemathèque, em Botafogo, nomes consagrados da música popular brasileira, entre eles Milton Nascimento e Caetano Veloso, desmancharam-se em elogios à sua voz rouca e ao peculiar estilo de interpretação. "Ela tem um futuro muito promissor", afirmou recentemente o compositor João Donato. Para completar, a cantora é dona de uma personalidade forte, do tipo que não teme desafios. Saiu de casa na adolescência, abriu um bar, foi à falência, começou tudo de novo. Certa vez, aos 16 anos, enfrentou garotos de uma escola vizinha para recuperar um celular roubado. Assume que namora "meninos e meninas".

Em meio aos fãs, há quem veja na estreante sinais do perfil rebelde e visceral da cantora e compositora Cássia Eller, morta em 2001. No visual, há claras semelhanças. Cabelos curtos, trajes masculinos e tatuagens. No trato pessoal, ela é mais contida. Isso evidentemente não a impede ter seus dias de Amy Winehouse, jovem intérprete britânica famosa por seus chiliques. Há duas semanas, Maria Gadú se estranhou com funcionários da TAM no Aeroporto Tom Jobim e armou uma enorme confusão. Atrasada, foi impedida de embarcar para Porto Alegre, onde faria um show. Gritou, xingou a equipe da companhia aérea com sonoros palavrões e acabou na delegacia do aeroporto, acusada de desacato e agressão. Espontânea, ela não se preocupa com o que as pessoas pensam a seu respeito. "Não vou ficar me policiando ou me tolhendo", avisa. "Se fizer isso, não serei sincera comigo mesma." Uma amostra desse comportamento aconteceu recentemente, na cerimônia de casamento do ator e cantor Dado Dolabella com a publicitária Viviane Sarahyba. Convidada para ser uma das madrinhas, ela subiu ao altar vestida de terno e gravata. Mas Maria Gadú não faz da sua sexualidade uma bandeira. Em relação aos rumores de que estaria namorando a cantora Luiza Possi, prefere a discrição: "Eu gosto do ser humano. Mas não pego ninguém, veio. Tá difícil".
Filha do produtor musical Marc Aygadoux (de onde vem o abrasileirado Gadú), sua carreira começou de forma bastante semelhante à de tantos outros artistas anônimos – ou seja, em barzinhos obscuros. Aos 13 anos, ela cantava um repertório formado basicamente por canções de Chico Buarque, Marisa Monte, Cássia Eller, Sandy & Junior e dos americanos do Maroon 5, além de músicas próprias. Aos 14, arrumou seu primeiro emprego em uma cervejaria, a Der Braumeister, instalada na praça de alimentação de um shopping de São Paulo. Ela ainda usava seu nome de batismo, Mayra Corrêa, que odeia. Mas já adotava um estilo um tanto exótico de se vestir, abusando de peças masculinas, o que motivava piadas dos garçons da casa. A aplicação e o talento, em compensação, logo atraíram a admiração dos colegas. "Ela sempre encarou a música com total seriedade", orgulha-se a mãe, Neusa Corrêa. Da mesma forma, buscava sua independência. Aos 15 anos, deixou a família para cantar em bares em Florianópolis. De volta a São Paulo, decidiu abrir um bar com uma amiga e um sócio. Deu tudo errado, e ela perdeu os 7 000 reais que havia investido na empreitada. Para piorar, a avó, que morava com ela e a mãe, morreu pouco depois. Desanimada, a jovem partiu para a Itália, onde ficou por três meses. "Eu estava deprimida e quase desisti de tudo, mas na viagem fiz novos amigos e voltei a cantar", lembra.
O grande impulso aconteceu depois de uma temporada de férias no Rio, em 2008. Em sua passagem por aqui, por meio de amigos comuns, acabou conhecendo o diretor Jayme Monjardim, da TV Globo. Em um dos encontros, ele a ouviu cantando Ne Me Quitte Pas, um grande sucesso internacional incluído no repertório de sua mãe, a cantora Maysa. O encontro ocorreu justamente no momento em que Monjardim trabalhava na pré-produção da minissérie homônima, exibida em janeiro de 2009. Encantado com a interpretação, convidou-a para gravar uma pequena cena, vestida de smoking como crooner em uma boate. Esse não foi o único empurrão de Monjardim. Em uma das apresentações do elenco da série, ele pediu a Maria Gadú que fizesse um pocket show e convidou o presidente da Som Livre para "uma surpresa". Deu certo. "Uma semana depois o contrato estava assinado", recorda Leonardo Ganem, da gravadora. De lá para cá, a cantora não parou. Em meio a uma sucessão de compromissos, ela experimenta algumas reações de quem não está totalmente à vontade com a fama. É comum, por exemplo, minutos antes de entrar em cena, sentir-se profundamente emocionada, a ponto de chorar. "É difícil acreditar que isso tudo seja real", conta. Pois é. Sua vida hoje pode ser resumida pelos versos de Shimbalaiê: "Viver um ano em segundos/Não achar sonhos besteira".

 

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