
Show no Porto
06/11/2011 21:33Caetano Veloso e Maria Gadú: Mistura perfeita trouxe o Brasil para o Porto
Com encontro marcado para o Pavilhão Rosa Mota, no Porto, na noite de sábado, Caetano Veloso garantiu o público fiel e Maria Gadú trouxe ainda mais brilho com a sua voz de veludo. Cantando, mandou-se o frio embora.
No Pavilhão Rosa Mota, ouvia-se por todo o lado um português adocicado: não só o que se encontraria no palco, mas também o da plateia, onde se sentia um cheirinho a Brasil.
O poeta baiano era o mais comentado no burburinho da entrada, mas também as músicas da nova musa da MPB eram entoadas pelo público, numa noite em que o Outono resolveu chegar.
“Beleza Pura” fez as honras da casa e mereceu uma calorosa ovação da plateia. Depois de uma primeira canção a dois, foi Maria Gadú que liderou a primeira parte do concerto.
A voz inconfundível da paulista, acompanhada pelo seu violão, percorreu uma viagem por diversas canções, já bem conhecidas do público. A (re)entrada de Caetano Veloso foi precedida de “Podres Poderes”, com Maria Gadú a solo, uma das várias “trocas” de canções entre ambos ao longo da noite.
O repertório de Caetano Veloso, acompanhado timidamente pelo público ao início, trouxe momentos marcantes, como em “Sampa” ou “Desde que o Samba É Samba”. “Alegria, Alegria”, uma canção que o baiano disse ter escolhido por ter sido “composta quando tinha a idade da Maria Gadú”, proporcionou momentos de riso quando o cantor se esqueceu da letra, como também aconteceu em “Vaca Profana”.
Na ponta da língua estiveram êxitos como “Sozinho”, “Leãozinho” e um improvável “Odeio”, que culminou, afinal, num “Eu amo você” atirado da plateia. Mas as canções de Maria Gadú, muitas destas cantadas por Caetano, também arrastam multidões. Exemplo disso foi “Shimbalaiê”, um dos momentos mais bonitos da noite, em que as vozes femininas da plateia se uniram no refrão.
“Menino do Rio” não foi a última canção, mas poderia ter sido, numa versão que trouxe o “eterno flerte” ao Rosa Mota. A noite terminou com mais uma dose de “Sozinho”, acompanhada em massa pelo público. Choveram abraços entre Caetano e Maria Gadú, que foram aliás uma marca ao longo de todo o concerto.
A noite só não foi perfeita devido à escolha do local. Ponto a menos para o frio, não só físico como no geral, que tirou um pouco de magia a um concerto que merecia um ambiente mais aconchegante. Apesar do som impecável, o pavilhão foi pequeno para tanta gente, deixando pessoas de pé à procura de lugar para sentar, ou sentadas nas escadas para não se separarem dos companheiros.
A plateia do Pavilhão Rosa Mota aguardava ansiosa a entrada de dois mentores da alma e da poesia pela música: Caetano Veloso e Maria Gadú. A ânsia justifica-se, por um lado o ancião, poeta e cantor e, por outro, a jovialidade e espiritualidade de Maria Gadú com sua voz encantada.
A “Beleza pura” ecoa a duas vozes servindo-se de uma harmonia tão poderosa, de perfeita comunhão como que um elo de espírito patriarcal.
O palco, adornado com um mundo de papel, é preenchido com Maria Gadú sozinha, nos ditando a “Bela Flor” contando o “Encontro” mostrando que seria melhor “Tudo Diferente”. Porque a arte se entrelaça com a vida na “Dona Cila” que tem seus “Escudos” apoiados num “Altar Particular” descartando a máscara social nos “Podres Poderes”.
Sob um ensurdecedor aplauso Caetano Veloso regressa ao palco e acompanhado pela voz de Maria Gadú e pelo coro da plateia ouvimos “O Quereres” e “Sampa”.
Agora viajámos, o guia é Caetano Veloso, pela memória, para a história da América pelos “Milagres do Povo” recordando a nossa natureza de “Genipapo Absoluto” contrapondo-se com a natureza humana conflituosa “Odeio”, “De Noite na Cama” ou libertina “Desde que o Samba é Samba”.
No primeiro acorde de “Silêncio” a plateia cantou o amor e a memória do presente, passado e futuro do caos e do acaso. «De seguida vou cantar uma música que compus com a idade da Maria» um hino à liberdade e à vontade da inocência presenteada pelo sonho, servindo até mesmo de brincadeira uma falha de memória do poeta.
“Shimbalaiê” junta novamente os artistas, abraçam-se cumplicemente, e brincam com a história da arte da Vaca Profana, de uma fixação “Rapte-me, Camaleoa” e da tristeza de um adeus que não cabe num espaço físico “Trem das Onze”. Sentimos o fim pela “Leãozinho” e receando ficar sem rumo “Odara”.
O encore é exigido por um público frenético por mais emoções, aplaudindo e marchando sobre si mesmo tornando-se orquestral. Fomos presenteados pelo “Nosso Estranho Amor”, “Vai Levando”, “Menino do Rio” e um encore de encore lançou os últimos pozinhos mágicos.

Caetano Veloso é um dos maiores expoentes vivos da música brasileira, com quem o público português há muito vem mantendo um historial de carinho e devoção. Maria Gadú, fresca em idade e carreira, é hoje uma das mais recentes promessas da MPB, num caminho trilhado a partir de uma lição bem estudada dos grandes e da conquista de novas audiências. O espetáculo que os uniu, concretizado pelo já conhecido costume do músico baiano em fazer-se rodear por talentos emergentes, do qual resultaram os registos audio-visual e sonoro, atravessou o Atlântico para uma pequena digressão em solo europeu, que se estreou em Portugal. Ao Pavilhão Atlântico, em Lisboa, seguiu-se o Pavilhão Rosa Mota, no Porto, onde a onde as duas gerações de músicos se uniram, numa noite de casa cheia.
Com o atraso que o trânsito circundante e as fila frente à bilheteira faziam prever, Caetano Veloso e Maria Gadú subiram ao palco e ocuparam as cadeiras dispostas frente ao globo branco imenso, onde se foi refletindo a iluminação em subtis jogos de luz. Arrancaram em conjunto, com Beleza Pura, para que depois de um abraço Caetano abandonasse o palco, deixando à protegida a missão de aquecer as hostes. Gadú soube aguentar-se, descontraída, perante um público fácil, que se foi mostrando conhecedor do repertório original da cantora, como demonstrado em Tudo Diferente. Amor de Índio, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, entremeou a prestação a solo, rematada com Podres Poderes, do colega Caetano, que regressou ao palco para mais duas canções a dois.
Depois de O Quereres e Sampa, foi a vez de Caetano reinar sozinho, numa falsa solidão partilhada com as vozes da audiência. Se, por exemplo, Desde que o Samba é Samba foi parte cantado num tom mais baixo, para que o público se fizesse ouvir, em Sozinho Caetano foi acompanhado em uníssono do início ao fim. Seguiram-se Alegria, Alegria, tema composto quando o cantor tinha a idade de Gadú, e o convite para que esta voltasse ao palco, para assistir à interpretação da música que esta escreveu quando apenas tinha dez anos, Shimbalaiê - um afeto reciprocado mais adiante, quando Gadú tocou uma composição que escreveu sobre e para o cantor.
E, apesar de todas as provas de valor próprio, é inegável o quanto Maria Gadú brilha mais ao lado do mestre, na beleza acrescida da articulação das vozes distintas. Os trava-línguas de Rapte Me Camaleoa, os lamentos de Trem das Onze, e Leãozinho, a registar a maior elevação de telemóveis e máquinas fotográficas, foram cantados em dueto, numa cumplicidade enternecedora, de lideranças partilhadas.
Odara ditou a primeira despedida, às quais se seguiram duas reentradas em palco, motivadas pelos aplausos contínuos do público. No primeiro encore ouviram-se Nosso Amor, Vai Levando, tema da autoria de Chico Buarque, e Menino do Rio. Para o segundo ficou reservada a homenagem de Maria Gadú a Caetano Veloso, assim como Qualquer Coisa e uma revisitação inesperada a Sozinho, desta vez em dueto. O toque final mais que perfeito, onde a cumplicidade vivida em palco foi transportada para o público, cujas vozes, mais uma vez, acompanharam emotivamente a canção.
Alinhamento:
Beleza Pura
Bela Flor
Encontro
Tudo Diferente
Amor de Índio
Laranja
Altar Particular
Podres Poderes
O Quereres
Sampa
Milagres do Povo
Alguém Cantando
Cajuína
Odeio
Desde Que o Samba É Samba
Sozinho
Alegria, Alegria
Shimbalaiê
Vaca Profana
Rapte-me Camaleoa
Trem das Onze
Leãozinho
Odara
Primeiro Encore:
Nosso Estranho Amor
Vai Levando
Menino do Rio
Segundo Encore:
Qualquer Coisa
Sozinho
Texto: Ariana Ferreira
Fotografias: Ana Limão
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